A invocação da Santíssima Virgem como Salus infirmorum (Saúde dos enfermos ou Nossa Senhora da Saúde) é das mais antigas da tradição cristã, com inúmeras reminiscências bíblicas e patrísticas, para além da devoção popular. Enquanto Mãe de Jesus, Deus feito homem, Nossa Senhora está intimamente ligada à obra de salvação do seu divino Filho.
Os Evangelhos relatam-nos imensas curas operadas por Jesus durante a sua vida mortal e tais milagres eram realizados como sinal de um poder maior: a cura daquela radical enfermidade humana que é o pecado. Esta obra de redenção é consumada na sua Paixão e Morte: cumprindo as antigas profecias, Jesus carrega sobre si as nossas enfermidades e pecados, tornando-nos participantes da sua própria vida divina.
Maria junto à Cruz, participa das dores de seu Filho e torna-se Mãe de todos os discípulos de Cristo simbolizados no discípulo amado, São João Evangelista, a quem Jesus A confia. Assim, a par da Paixão do Senhor, podemos falar da Compaixão da Senhora, invocada pelo povo cristão como Mater dolorosa (Mãe dolorosa ou Nossa Senhora das Dores).
Se é verdade que a Sagrada Escritura não refere nenhuma cura operada pela Virgem Maria durante a sua vida mortal, já que a missão de ensinar, curar e santificar foi confiada aos Apóstolos, também é certo que, uma vez elevada ao Céu em corpo e alma, Nossa Senhora jamais abandonou os seus filhos ainda peregrinos sobre a terra.
Tal como no Evangelho intercedia junto de seu Filho em favor dos necessitados, também agora Lhe apresenta continuamente as nossas necessidades. Os Doutores da Igreja falam da "onipotência suplicante" de Maria, e o povo cristão invoca-a como Medianeira da divina graça, Advogada poderosa, Saúde dos enfermos, Refúgio dos pecadores, Consoladora dos aflitos, Auxílio dos cristãos e outros numerosos títulos.
No inverno de 1568 começaram a manifestar os primeiros sintomas da peste denominada "a grande", porque nenhuma como esta atingira tão grandes proporções. No verão de 1569, o contágio chegara ao máximo, sendo necessário recorrer aos condenados das galés, para sepultar as seiscentas vítimas da peste por dia! Então o povo cristão se virou para tão poderosa Protetora, invocando-A sob o título de Nossa Senhora da Saúde e pedindo-lhe que minorasse os horrores da epidemia.
Alcançada a graça suplicada, o povo agradecido edificou às suas próprias custas a Igreja de Nossa Senhora da Saúde no alto do outeiro que tomou o seu nome. Como conseqüência desta grata memória, foram ainda constituídas duas Confrarias de Nossa Senhora da Saúde, uma para eclesiásticos e outra para leigos, destinadas a promover o culto e as obras de misericórdia, ou seja, a honrar a Senhora pelos dois modos que Ela quer ser honrada: pedindo a sua ajuda com confiança e imitando a sua caridade com gratidão.
É assim que, em 1746, a Irmandade de Nossa Senhora da Saúde cede seis casas contíguas à Igreja para a edificação de um Recolhimento para donzelas e órfãs, segundo a idéia original de Frei António das Chagas (fundador do Seminário de Brancanes, entretanto falecido) mais tarde levada a cabo pelos Padres Jesuítas do convento de São Francisco Xavier do sítio do Viso.
Tal Recolhimento deu lugar, no século passado, ao Asilo da Infância Desvalida, atualmente Casa de Nossa Senhora da Saúde, confiada às Irmãs da Apresentação de Maria. Quando em 1755 o célebre terremoto destruiu a Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Anunciada (no antigo Largo do mesmo nome) foi para esta Igreja de Nossa Senhora da Saúde que se transferiu a sede da Paróquia até 1835, altura em que, expulsas de Portugal a Ordens Religiosas e confiscados os seus bens pelo governo liberal maçônico, é leiloado o Convento de Santa Teresa e entregue a Igreja conventual para servir de Paroquial da Anunciada.
Durante as obras de restauro desta Igreja após o grande incêndio de 1876, é novamente transferida a sede da Paróquia para a Igreja de Nossa Senhora da Saúde até à restauração do culto e bênção da Igreja Paroquial em 1878. O dia em que se celebrava a Festa de Nossa Senhora da Saúde era o dia 15 de Agosto (Nossa Senhora da Assunção), como acontece normalmente com todas as festas de Nossa Senhora que não têm dia próprio no Calendário geral da Igreja. Interrompida durante algumas décadas, a tradicional procissão foi recentemente restaurada em 1998 (IV Centenário da peste que deu origem à construção do templo) não já ligada ao dia 15 de Agosto, mas ao dia 15 de Setembro, Festa de Nossa Senhora das Dores.
Em memória das Sete dores de Maria, a Festa é antecedida de um septenário com início no dia 8 de Setembro, festa da Natividade de Nossa Senhora. Esta associação entre as duas invocações de Nossa Senhora das Dores e de Nossa Senhora da Saúde, corresponde ao espírito original que expusemos acima e é testemunhada pela presença de uma imagem da Pietá ou Nossa Senhora da Piedade (a Virgem Maria com Jesus morto nos braços) num nicho junto ao altar de Nossa Senhora da Saúde, na Igreja de que é titular.
Assim, este septenário preparatório é fundamentalmente marcado pela Festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de Setembro) que comemora a descoberta da Cruz do Senhor pela Imperatriz Santa Helena (mãe de Constantino Magno, o Imperador romano que deu liberdade de culto aos cristãos) em Jerusalém no ano 320. A devoção à verdadeira Cruz de Jesus (Vera Cruz) espalhou-se por toda a Cristandade, assim como as relíquias do Santo Lenho (pedacinhos de madeira da Santa Cruz de Jerusalém).
A primeira festa em honra das dores de Maria, celebrava-se na sexta-feira da Semana da Paixão (semana anterior à Semana Santa) com o nome de Festa de Nossa Senhora da Piedade ou da Compaixão de Nossa Senhora e, sobretudo depois do decreto do Papa Bento XIII (1727), Festa de Nossa Senhora das Dores. Nela se honravam os sofrimentos da Virgem que são principalmente sete: a profecia de Simeão, a fuga para o Egito, a perda de Jesus no Templo, o caminho para o Calvário, a crucifixão, a descida da Cruz e a sepultura. Figurando estas sete dores, a imagem de Nossa Senhora das Dores costuma ser representada com sete espadas atravessando o coração.
De referir também a prática de piedade popular conhecida como recitação da Coroa de Nossa Senhora das Dores: semelhante ao terço do rosário, mas composta de sete grupos de sete Ave-Marias, em cada um meditando-se numa das sete dores. Suprimida a festa no tempo da Paixão, reapareceu posteriormente associada à Festa da Vera Cruz, com o nome de Festa das Sete Dores de Maria (1668) celebrada no terceiro domingo de setembro e inscrita oficialmente no Calendário geral da Igreja pelo Papa Pio VII (1814).
O Papa São Pio X (1913) fixa-a definitivamente no dia 15 de setembro, como prolongamento da Festa da Santa Cruz, com o nome de Festa de Nossa Senhora das Dores. Atualmente as festas em honra da Virgem Maria, Senhora das Dores e Senhora da Saúde, que unindo as nossas dores às de Cristo, d’Ele nos alcança a saúde do corpo e a salvação da alma, são celebradas na Paróquia de Nossa Senhora da Anunciada de Setúbal como abertura do ano pastoral. Nelas se inserem vários eventos como a Procissão de velas (noite do dia 8), a recitação da Coroa de Nossa Senhora das Dores (antes da missa quotidiana), a administração da Santa Unção aos Enfermos (na missa dominical), a peregrinação paroquial ao Santuário de Fátima (dias 12 e 13), a adoração eucarística (dia 14, festa da Santa Cruz) e a Procissão solene (na tarde do dia 15).
A mesma Senhora que gerou no seu seio o Verbo de Deus feito homem, convoca-nos cada ano a anunciar com gratidão a Palavra de Deus a todos os homens de boa vontade, que no meio das dores e trabalhos quotidianos anseiam por encontrar a fonte da eterna saúde e salvação.
Nossa Senhora da Saúde! Rogai por nós que recorremos a Vós!